segunda-feira, 7 de setembro de 2015

O fenômeno do cara legal e a balela da

 friendzone - Mari (Lugar de Mulher)


[SPOILEIR!] Sabe o que o personagem Joe Caputo, de Orange is the New Black, e os caras que acreditam em friendzone tem em comum? Eles são caras legais e isso é terrível.
No episódio 11 da terceira temporada de OITNB conhecemos melhor Joe Caputo, o atual diretor da prisão. Nele, vamos criando uma teia de histórias que nos ajudam a desvendar o personagem. Primeiro, ele surge como um jovem com um futuro promissor na luta greco-romana se lesiona em um evento extra competitivo. Na verdade, ele se oferece para lutar contra jovens com síndrome de down e é enaltecido pelo treinador pois “não precisava”, mas é tão bondoso que quis dar essa alegria aos jovens especiais. Um pouco adiante no tempo, ele se casa com sua namorada, que está grávida de outro e perde a oportunidade de fazer sucesso com sua banda. Em um debate sobre o tema ele não demora em tocar na cara da mulher que ela lhe deve isso, que ele se sacrificou por ela (mas ela deixa claro que nunca pediu nada).
O NY Times alerta:
Joe Caputo pode não ser um cara legal, mas ele persegue desesperadamente o sentimento que tem quando é percebido como bondoso.
É essencial notar que esse empenho em ser percebido como alguém nobre vai, ao longo dos anos, fazendo com que Caputo perca todas as reais oportunidades de sucesso da sua vida e termine sendo o personagem solitário e decepcionado que conhecemos. Mas o martírio está longe de ser abnegado. O Salon explica:
A falha central de Caputo é que ele se vê como um “cara legal” quando, na verdade, tudo que ele faz é esperando que o mundo lhe dê algo em troca – a medalha de ouro do heroísmo, a faixa azul por presença (…) O problema não é só que ele acredita que deveria ser um herói: o problema é que ele acredita que merece algo especial por ser assim heróico.
Tudo isso pode parecer besteira, mas o discurso que costura essa ideia de que o homem merece um troféu por ser legal (coisa que deveria ser o mínimo, convenhamos) é o mesmo que costura campanhas como aquela dos esmaltes e ideias terrivelmente babacas e perigosas como friendzone.
E tendemos a levar friendzone como piada, mas ela está profundamente inserida na cultura do estupro, porque coloca a mulher como um commodity, um objeto, que deve ser recebido em troca de gentileza. E quando isso não acontece, ela está manipulando o homem ou ela é burra demais para perceber quem são os caras legais.
Mas, ei, nós não somos idiotas, e caras que acreditam nisso não são nada legais.
Porque friendzone nada mais é que um homem se sentindo lesado por não receber o que quer. E esse discurso carregado de ódio é uma maneira de enfraquecer o direito de escolha feminino.
Um homem que internalizou que um comportamento gentil ou bondoso é um escambo que deve resultar em algo que lhe favoreça é o oposto de um cara legal. A Amanda Marcotte ressalta, também, o que une conceitos como friendzone de coisas imbecis como PUA:
É a teoria de que as mulheres não curtem tanto sexo quanto curtem atrair atenção. Então caras que dão atenção para elas de livre e espontânea vontade são vistos como fontes de atenção infinita e mulheres só dão sexo para homens que as fazem trabalhar por isso. A noção de que friend zone é permanente deriva da ideia de que ela te vê como um babaca que dá atenção sem que ela precise se esforçar. A possibilidade que uma mulher, de fato, goste da tua companhia e ache que tu também gosta da dela é deixada de lado. A possibilidade de ela ter te rejeitado polidamente e que tu só fique orbitando em torno dela, abusando da boa vontade e da educação que a faz não te mandar sumir é totalmente ignorada. Se tu mergulhar nessa mentalidade por tempo suficiente, a ideia de pickup artists sendo uns trouxas e tentando manipular as mulheres para fazerem sexo com eles parece terrivelmente boa.
No final, o cara legal só se revela pela frustração. Ao se frustrar diante de não ter sido reconhecido como a pessoa maravilhosa que acredita ser, ele se torna quem realmente é. Mas, eis uma novidade, caras: o mundo não te deve nada, as mulheres não te devem nada.
Esse comportamento pode parecer ter muitas semelhanças com o de uma criança mimada e, talvez, seja o caso do personagem Caputo. Mas certamente não é o caso da friendzone, porque a misoginia sente o direito de se impor. E, como bons babacas, em nenhum momento ocorre para estes homens tentar ver as coisas pelo que são. Se fizessem isso seriam capazes de notar que o mundo não gira em torno deles e as coisas costumam ser bem mais simples que parecem.